Três estudantes fumando maconha não ameaçam segurança de ninguém

Na última quinta-feira, 27 de outubro, por volta das 18h, a Polícia Militar deteve três alunos que fumavam maconha num gramado junto ao estacionamento que divide os prédios de Geografia e História da USP, na Cidade Universitária.

Um grupo de estudantes começou a protestar, para evitar as prisões. A manifestação foi ganhando adesões – chegou a cerca de 500 — e a tensão aumentando. Os PMS chamaram reforço. Por volta das 21h30 estavam na USP cerca de 15 viaturas, a Ronda Ostensiva Com Apoio de Motocicletas (ROCAM) eaproximadamente 40 policiais militares.

Após quase quatro horas de discussão entre representantes da polícia, estudantes e professores, começou o tumulto. Segundo alguns relatos publicados na mídia, os estudantes gritavam palavras e xingamentos contra a presença da polícia. Irritados, os policiais partiram pra cima do grupo. De acordo com outros relatos, também divulgados na mídia, quando policiais deixavam o local com os três jovens detidos rumo à delegacia, um grupo cercou as viaturas, jogando pedras e outros objetos. A polícia reagiu violentamente, com bombas de gás lacrimogêneo, gás pimenta e cassetete.

Vários parlamentares se deslocaram para lá para ajudar a resolver o impasse, entre os quais o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), que há pelo menos dez anos se dedica a estudar e a debater a questão das drogas.

No início de setembro, por exemplo, ele promoveu um seminário de alto nível sobre a política de drogas no Brasil, do qual participaram o psiquiatra Roberto Tykanori, coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde, o professor Elisaldo Carlini, consultor da Organização Mundial da Saúde (OMS) para área de drogas, e José Henrique Torres, presidente da Associação Juízes para a Democracia, entre outros especialistas.

Falei com o deputado por telefone na quinta à noite, quando ele estava a caminho da Cidade Universitária. Voltei a conversar novamente ness terça-feira.

Viomundo – Como ficou a situação dos três estudantes detidos?

Paulo Teixeira — Eles foram levados ao distrito policial, onde assinaram um termo circunstanciado. Os três terão de comparecer ao Juizado Criminal de Pequenas Causas para responder pelo porte de maconha, já que, pela lei de drogas no Brasil, é um ato ainda considerado equivocadamente como crime.

Viomundo – Qual a sua avaliação de episódio, que envolveu um grande aparato policial e cerca de 500 estudantes?

Paulo Teixeira – Num momento em que a sociedade exige tanta atenção para os crimes contra as pessoas e contra o patrimônio, é lamentável que a polícia use o seu tempo, sua estrutura, para prender três jovens porque estavam consumindo maconha. Se é verdade que já temos maturidade na nossa sociedade, é inconcebível envolver tanta gente, tantos esforços, para atuar em algo que é da esfera pessoal.

Então, esse fato lamentável põe luzes para que a gente reflita sobre algumas questões. Primeiro, até que ponto a polícia deve se ocupar dos usuários de drogas. Segundo, a atuação da Polícia Militar dentro do campus da USP. Terceiro, a necessidade de rever a lei de drogas, tirando definitivamente o usuário da esfera criminal.

Viomundo – Vamos começar pela abordagem policial do usuário de drogas.

Paulo Teixeira — O usuário não pode ser objeto de uma ação da polícia. A sociedade já entende que a decisão sobre o consumo ou não de alguma substância que altera a consciência não é da órbita estatal. É da órbita do indivíduo. Ainda mais num ambiente universitário onde essa reflexão é feita de alguma forma. E nem só por isso: em qualquer ambiente da sociedade, seja no campus da USP ou no espaço mais longínquo da periferia, há a consciência de que essa é uma decisão da pessoa e não do Estado.

Por outro lado, há uma desproporção. Paralisou-se todo um aparato policial para cuidar de uma questão insignificante para a sociedade, que são os três jovens consumindo maconha, diante de tantas demandas graves, importantes, em relação à segurança pública, como a preservação da vida e do patrimônio das pessoas.

E o que resultou dessa ação policial? Como um grande contingente policial se deslocou para a USP para cuidar da questão, outras áreas ficaram desprotegidas. Ou seja, perdeu a sociedade. Ao mesmo tempo, houve danos para o Estado. Cinco ou seis viaturas foram quebradas por conta dessa inaceitável ação.

Viomundo – Foi um escândalo em cima de nada?

Paulo Teixeira – Com certeza. Na última quinta-feira nós nos envolvemos em algo que, se as nossas mentes e instituições estivessem atualizadas, não teria acontecido.

Fiquei impressionado com o aparato. Havia uma porção de viaturas da Polícia Militar e da Policial Civil. Havia muitos policiais que utilizaram bombas de gás lacrimogêneo e gás pimenta.

Toda uma cidade parou por quase cinco horas por causa de três usuários de maconha, enquanto toda a sociedade requer segurança e outro tipo de atenção do aparelho estatal.

Isso é fruto de uma sociedade que se recusa discutir a questão das drogas com mais serenidade. Ao mesmo tempo, uma parte da sociedade já não admite mais que a polícia aja para prender pessoas que estão consumindo maconha.

Viomundo – Em relação à PM dentro do campus, o que o senhor acha?

Paulo Teixeira – O convênio com a PM tem de ser revisto. Embora a motivação tenha sido legítima – o assassinato do aluno da FEA [Faculdade de Economia e Administração] em maio deste ano–, foi um erro do reitor [João Grandino Rodas] trazer a PM para atuar permanentemente dentro do campus, fazendo a segurança. Foi uma infeliz decisão.

Viomundo – Por quê?

Paulo Teixeira — A USP sempre teve a sua própria segurança interna. Historicamente, os jovens sempre tiveram ali uma espécie de território livre. É um espaço de expressão de uma série de manifestações e hábitos da juventude, considerados normais e que fora dali não poderiam ser compreendidos. Portanto, não tinham ali atenção policial.

Só que ao trazer a PM para dentro do campus você cria conflitos como o da última quinta-feira. Foi apenas a ponta do iceberg. Amanhã um casal flagrado namorando “mais exageradamente” pode ser abordado de forma desastrosa, com sérias conseqüências. PM e estudantes no mesmo ambiente não combinam. Há sempre uma estranheza.

Viomundo – O senhor acha que podem ocorrer outros embates?

Paulo Teixeira – Claro. Deixar a PM abordar os estudantes dentro do campus é criar um rastilho de pólvora. E por quê? Porque não é usual um policiamento ostensivo fazer blitz na universidade. É um ambiente com códigos próprios. A universidade já resolveu esse problema, não precisa de polícia para resolver isso.

Por isso, repito: foi muito infeliz a decisão do reitor de levar a PM para agir dentro do campus. Ele poderia fazer o mesmo convênio com outros conteúdos.



Viomundo – Eu li depoimentos de vários alunos, com um mesmo argumento: nós precisamos de segurança dentro do campus. E aí?

Paulo Teixeira – A preocupação dos alunos com a presença de pessoas que possam representar alguma ameaça é legítima. Mas não o tipo de abordagem que está vigorando na USP atualmente.

Aliás, em que medida três estudantes fumando maconha podem ameaçar a segurança do campus da USP? Eles não representam qualquer ameaça para a segurança de ninguém.

Eu nunca vi uma pessoa que fuma maconha atingir ninguém, inclusive porque o efeito da maconha é relaxante. Não existe nenhuma associação ente um tema e outro. Eu acho um precedente inaceitável levar a PM para dentro do campus por causa da maconha.

Viomundo – O que fazer?

Paulo Teixeira – Se a preocupação é a segurança dos estudantes e demais cidadãos que circulam no campus, o tipo de convênio tem de ser modificado, porque a maneira como foi implementado o policiamento já mostrou ser equivocado. Ele tem de ter atenção para quem realmente possa ameaçar a segurança física dos alunos, professores e demais funcionários da USP.

Viomundo – Que tipo de conteúdo?

Paulo Teixeira – Deveria objetivar uma maior integração entre a guarda da USP, que por sinal foi sendo sucateada nos últimos anos, e a PM. E não simplesmente colocar a PM dentro do campus. A PM poderia, por exemplo, se preocupar com o controle de entrada e a presença de pessoas que não são da comunidade. Também ficar ao redor do campus e, sob demanda, entrar imediatamente. Importante: o convênio deve visar a estrita proteção da vida e dos bens da comunidade.

Viomundo – Tem gente que diz que os alunos não querem a PM no campus para poder fumar maconha à vontade. O que o senhor acha dessa visão?

Paulo Teixeira – O ambiente universitário não é um ambiente que se possa ter abordagem de “tolerância zero”. São locais que historicamente conviveram com a cultura da contestação. Tem uma série de práticas e costumes que não são admitidos no ambiente da cidade, mas que, na universidade , são encarados sem conflitos. É impraticável querer mudar isso depois de 30 anos.

A natureza desse ambiente não aceita o policiamento ostensivo. PM e jovens não se entendem. A PM no campus vai dar crise permanente. O erro do reitor atual foi levar a polícia para lá para cuidar dos valores com os quais ele está preocupado. Outros reitores conviveram com esse ambiente e tudo prosperou, ninguém foi prejudicado.

Viomundo – E em relação à lei de drogas o que deve ser feito?

Paulo Teixeira – Tem de ser revista. Definitivamente tirar o usuário da esfera criminal.

Junto com a sociedade, entidades e especialistas, nós estamos elaborando uma minuta de abordagem para levar esse debate também para o Parlamento.

Viomundo – O senhor pretende apresentar algum projeto nesse sentido? Quando?

Paulo Teixeira — Em fevereiro ou março. Pode ser apresentado como um projeto de lei da nossa iniciativa ou como um projeto de lei de iniciativa popular. Dessa discussão participam três instituições: o IBCCRIM –Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, de São Paulo, Viva Rio, do Rio de Janeiro, e o Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas – Cetad, da Bahia. Nós já estamos entabulando um diálogo para elaborar essa iniciativa de lei.

A propósito, a professora Sandra Nitrini, diretora da Faculdade de Filosofia, Ciências, Letras e História da USP (FFCLH), foi de uma dignidade imensa no episódio da última quinta-feira. Ela acompanhou os alunos até o distrito policial para protegê-los. Pena que, depois, o movimento mais radicalizado ocupou a diretoria da FFCLH, área onde ela solidariamente atuou para resolver a situação.

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